‘As telas estão destruindo a infância’, alerta Jonathan Haidt, autor de ‘A Geração Ansiosa’; veja dicas para proteger seus filhos
22/05/2025
(Foto: Reprodução) O psicólogo social, escritor e professor universitário norte-americano foi o principal convidado do 6º Congresso Socioemocional LIV, realizado no Vivo Rio, na Zona Sul, na última quarta-feira (21). Jonathan Haidt é o autor do best-seller 'A Geração Ansiosa'
Rob Holysz / Divulgação
“As telas estão destruindo a infância e o futuro das crianças.”
Essa é a mensagem que o psicólogo social Jonathan Haidt, autor do best-seller “A Geração Ansiosa”, quer transmitir a pais e educadores no Brasil. O norte-americano foi o principal convidado do 6º Congresso Socioemocional LIV, realizado no Vivo Rio, na Zona Sul, nesta quarta-feira (21).
Com o tema “Tecnologia, bem-estar e infância: Reconstruindo ambientes saudáveis”, o evento celebrou uma década de atuação na promoção de habilidades emocionais em mais de 500 mil alunos brasileiros. (Saiba mais no fim do texto).
Diante de uma plateia de quase 2 mil pessoas, entre educadores, mães e pais, Jonathan Haidt foi duro em sua palestra sobre os problemas causados pelo uso excessivo de telas na infância e adolescência. Ele também apresentou um conjunto de dicas para evitar a destruição do futuro dos jovens hiperconectados. Segundo ele, o mundo passa por uma “epidemia silenciosa”.
“É uma tragédia em 2 atos. Primeiro, perdemos a infância que era baseada em brincadeira, em liberdade. Crianças precisam abraçar seus amigos, sentir e interagir. E isso acaba quando surgem os smartphones”, disse Haidt.
“A infância baseada em brincadeiras ao ar livre foi substituída por uma infância confinada em ambientes controlados e hiperconectados”, comentou o especialista.
Principais problemas do excesso de telas, segundo Jonathan Haidt:
Aumento de casos de ansiedade, depressão e automutilação;
Irritabilidade e desregulação emocional;
Problemas de visão;
Distúrbios do sono;
Sedentarismo e obesidade;
Déficit de atenção e memória;
Atraso na linguagem;
Isolamento e convívio precário;
Exposição a riscos virtuais;
Vício em dopamina;
Queda no desempenho escolar;
Analfabetismo funcional.
‘As telas estão destruindo a infância’, alerta Jonathan Haidt, autor de ‘A Geração Ansiosa'
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Falta de exposição ao mundo real
De acordo com os estudos apresentados, o aumento do uso de celulares por crianças e adolescentes é inversamente proporcional ao tempo gasto com amigos.
Jovens de 15 a 24 anos experimentaram uma queda muito mais acentuada no tempo com amigos fora da escola do que as gerações anteriores, segundo um painel apresentado por Haidt.
Outro dado que mostra a mudança de comportamento entre gerações é a liberdade oferecida pelos pais.
Haidt afirmou que as gerações nascidas entre as décadas de 1960 e 1990 tinham maior autonomia para realizar tarefas sem supervisão. Já os nascidos após 1995 foram perdendo gradativamente essa exposição ao mundo real.
“O computador e a internet surgem na década de 1990 com mais força, depois os smartphones a partir de 2005. Aqui nesse momento começa a infância baseada no telefone. E foi onde a saúde mental dos adolescentes piorou muito rapidamente”, explica o psicólogo.
“Entre 2000 e 2010, o telefone celular servia só para ligar, pequenas mensagens de texto e jogar o jogo da cobrinha. Agora a geração Z provavelmente ganhou um smartphone com 12 anos, entrou no Facebook e passou a ser bombardeada por estímulos. O jovem virou o produto e está sendo vendido por publicitários”, complementa.
“Na minha época, se um ET viesse para a Terra, você o colocava numa bicicleta e ia andar por aí com seus amigos. Hoje não”, provoca Jonathan, em referência ao clássico filme de Spielberg.
Geração limitada
Durante o evento, Haidt também afirmou que o excesso de telas está deixando as crianças mais limitadas, com dificuldades de aprendizagem, interação e desenvolvimento.
“Os telefones estão tornando os nossos alunos mais burros. As notas caíram a partir de 2020. Todos falaram: ‘Olha o que a Covid causou.’ Mas não foi a Covid, foi o maior tempo em telas. A humanidade está cada vez mais burra, ao mesmo tempo que as máquinas estão mais inteligentes”, alertou.
“Os estudantes têm muita dificuldade para ler um livro. Eles dizem: ‘Não tem luz, nada se movimenta, são só palavras.” Uma aluna minha disse assim: 'u leio uma frase fico entediada e vou para o TikTok'", relatou Haidt.
Saiba como ativar proteção para controlar tempo e atividade de crianças no celular
Segundo ele, as dificuldades intelectuais também afetam os adultos, mas o impacto é mais grave nos jovens, por conta do período de formação cerebral.
"O que acontece é que a capacidade de ler e responder perguntas vai caindo. É o analfabetismo funcional. Muitos adultos não conseguem ler 3 ou 4 páginas sem ter que ir para uma rede, ver e-mails, responder mensagens", ressaltou.
"É uma dificuldade de ficar concentrado e pensar. Se todas as gerações acham difícil pensar, as implicações são muito mais difíceis para os jovens. É grave", reforçou.
Aumento de casos de suicídios
Desde 2010, coincidindo com a popularização dos smartphones, os índices de ansiedade, depressão e automutilação entre adolescentes dispararam globalmente.
Nos EUA, 20% das adolescentes relatam pensamentos suicidas. No Brasil, as internações psiquiátricas de jovens começaram a subir rapidamente a partir de 2015.
Aumento de casos de suicídios no Brasil
Raoni Alves / g1 Rio
Dados do Ministério da Saúde apresentados por Haidt mostram que o número de adultos jovens brasileiros que tiraram a própria vida aumentou drasticamente a partir de 2016.
Recuperação da infância: o plano de ação de Haidt
Apesar do tom de alerta, Haidt apresentou soluções para reverter esse cenário. Seu plano de ação é baseado em quatro pilares:
Nada de smartphones antes dos 14 anos
"No dia em que você entrega um celular ao seu filho, o telefone se torna o centro da vida." Haidt sugere adiar ao máximo o acesso, idealmente até os 18, mas defende os 14 como limite mínimo.
Redes sociais apenas após os 16 anos
A puberdade é um período crítico para o desenvolvimento cerebral. A exposição a estranhos online é comparada a "deixar uma criança conversar com abusadores no parque".
Escolas 100% livres de celulares
O Brasil foi elogiado por leis que proíbem dispositivos não apenas em sala de aula, mas também nos recreios. "Nas escolas sem celular, as crianças voltaram a rir e conversar", relatou.
Independência real para as crianças
Promover atividades sem supervisão constante, como ir à padaria sozinho. "A cura para a ansiedade é a exposição gradual ao mundo real", explicou, citando o exemplo de sua filha de 6 anos que aprendeu a levar seu almoço ao trabalho.
Haidt também elogiou o Brasil por regulamentar o uso de celulares nas escolas. Em fevereiro, o presidente Lula publicou um decreto que restringe o uso de celulares, permitindo-o apenas para estudantes com deficiência ou necessidades de saúde.
Outras dicas do especialista:
Nenhuma tela no quarto: computadores apenas em áreas comuns
Limites de horário: nada de dispositivos após as 21
Substituir telas por atividades analógicas: brincadeiras ao ar livre, leitura e interações familiares
O especialista encerrou sua participação com uma mensagem de otimismo. Para ele, as normas sugeridas para reduzir o impacto das telas nos jovens não tem custo financeiro.
"Podemos fazer e já estamos fazendo. Vamos mudar a forma como nossos filhos são criados. E isso tem sido liderado por mulheres, mães. Estamos vendo uma rebelião das mães. Não quero deixar os pais de fora, mas as mães são as principais".
"Se a indústria tecnológica vai enfrentar todas as mães do mundo, eu aposto nas mães", provocou Haidt.
Congresso Socioemocinal LIV
O Congresso Socioemocional LIV é um dos maiores eventos da América Latina voltados à educação socioemocional.
Jovens hiperconectados preocupam famílias no mundo todo
Ele é promovido pelo Programa LIV, que atua em escolas de todo o Brasil com foco no desenvolvimento das competências socioemocionais de crianças e adolescentes, da Educação Infantil ao Ensino Médio. O LIV é uma unidade de negócios do Grupo Salta Educação.
Em 2025, o evento realizado no Rio de Janeiro contou com debates importantes para o meio acadêmico e para a sociedade de forma geral.
Como tema central sobre 'o papel das competências socioemocionais na formação de crianças e jovens', o evento contou com Mia Couto, escritor moçambicano, Vanessa Cavalieri, juíza da Infância e Juventude, e Daniel Becker, pediatra, entre outros.